LIGABOM ENTREVISTA TENENTE-CORONEL BRÁULIO, DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE GOIÁS
Em uma conversa objetiva com o oficial, que tem grande experiência como assessor parlamentar, o assunto é explanado com clareza e de forma leve para todos os militares do Brasil.
A resposta mais simples e direta é: “militar não tem previdência, militar não se aposenta”. O começo de qualquer conversa sobre o assunto deve levar isso em consideração. A aposentadoria é um momento da vida de uma pessoa em que ela se desliga definitivamente das obrigações para com seu empregador ou órgão e passa a receber proventos para se sustentar. Isso não ocorre com militares. Via de regra, um militar jamais será desligado de sua corporação e jamais será liberado de alguns deveres militares, mesmo depois de sua transferência para a inatividade.
Além disso, previdência é um aspecto das relações de trabalho dos civis, que também incluem jornada de trabalho estabelecida, direitos a adicionais, sindicalização, entre outros. A previdência não existira se não fosse a vida de trabalho, portanto, as duas coisas não podem ser discutidas separadamente. Os militares, por outro lado, possuem uma vida de trabalho completamente diferente, a começar com a inexistência de jornada máxima de trabalho obrigatório, isso para não falar da ausência de direitos relacionados ao recebimento de adicionais e outros aspectos que são concedidos aos civis.
A vida militar é, simplesmente, diferente. Não estamos qualificando como melhor ou pior, só diferente. Quando alguém se torna militar, duas coisas lhe são prontamente ensinadas, já nos primeiros dias de quartel: a primeira é que não há horário para cumprir missões e a segunda é que ninguém pode se negar a cumpri-las, sob pena de responder por crimes militares relacionados à insubordinação. Isso é extremamente importante e constitucional. Aqueles que escreveram a Constituição Federal entenderam que os trabalhos confiados aos militares são aqueles em que se precisa de “disponibilidade permanente”, ou seja, que não são sujeitos a qualquer tipo de interrupção e para os quais os trabalhadores devem jurar, além da constância de suas vidas, o sacrífício delas, para a defesa, a segurança ou o salvamento do povo brasileiro.
E ao final da vida? Após os 35 anos de serviço, o militar é transferido para a reserva, onde fica desobrigado de ir ao quartel todos os dias, mas suscetível a convocações para missões. E isso tem sido cada vez mais comum: militares da reserva convocados para atuarem por mais alguns anos, em razão do crescimento das demandas ou por causa de operações específicas, como emergências e catástrofes. Lembrando que, como aqueles mencionados por estudo do Departamento de Ciências Farmacêuticas do Centro de Saúde da UFES, policiais e bombeiros militares vivem, em média, menos de 60 anos, enquanto que a espectativa de vida da população em geral é de quase 80.
E, sobre essa expectativa de vida, é importante salientar que, com a exigência de nível superior para o ingresso em várias instituições militares, a idade média de ingresso dos militares subiu. É cada vez menor o índice de garotos de menos de 25 anos ingressando nas fileiras das corporações, já que o curso superior é exigido. Dessa forma, se temos um militar que ingressa com mais de 25 anos e tem que cumprir seus 35 anos de serviço antes de ser transferido para a reserva, teremos, num futuro próximo, senhores de 60 a 65 anos na ativa, fardados, preservando a ordem pública, enfrentando criminosos, combatendo incêndios e encarando desastres. Lembrando, estamos falando de profissões cuja espectativa de vida pode não chegar aos 60.
2. Esclareça mitos e apresente dados que demonstrem as condições únicas e por vezes desvantajosas dos militares estaduais?
Não é incomum que digam que militares são “privilegiados na previdência”. Isso é claramente indício de desconhecimento da parte de quem fala. Primeiro que, como eu disse, militar sequer tem previdência e, segundo, que a vida de qualquer trabalhador, seus direitos e peculiaridades precisa ser analisada como um todo. Não se pode, simplesmente, dizer a alguém que ele será mais exposto a risco, terá uma vida de privações e com uma expectativa de morte maior e mais breve, não terá chance de negar tarefas que lhe forem atribuídas, não terá jornada de trabalho estabelecida, terá de aceitar um código de regras de conduta especificamente desenhado para isso e, ao final, terá todo esse sacrifício desconsiderado por quem quer analisar aspectos remuneratórios dissociando-os do trabalho que os precederam.
3. Os militares têm direito ao FGTS, hora extra ou adicional noturno?
Como eu disse, a vida de trabalho dos militares é, desde seu início, recheada pelo sacrifício em nome da missão que eles aceitaram. Diferentemente de trabalhadores comuns, não há direito a FGTS e à greve, por exemplo. Mas, diferentemente de quaisquer outros trabalhadores, o que é importantemente diferente na vida militar é a falta de direito à jornada de trabalho e a obrigação do cumprimento do dever.
4. Como funciona a questão da dedicação integral e a proibição de sindicalização para os militares?
Tendo recebido uma ordem legal, um trabalhador comum que não se dispuser a cumpri-la, terá o ponto descontado ou será demitido, enquanto um militar será, inicialmente, preso. Ainda que um militar já esteja há dias em operação, sem qualquer descanso, se uma ordem legal lhe for dada e ele se recusar a cumpri-la, ele terá contas a acertar com o Código Penal Militar. Eu repito: o constituinte compreendeu que, aos militares, deveriam ser confiadas missões para as quais não houvesse hipótese de interrupção. A defesa permanente da soberania, a preservação da ordem pública e a salvaguarda do povo brasileiro não podem descansar.
Compreendido isso, é perceptível que a sindicalização é vedada aos militares, também por imposição constitucional. E isso não é difícil de se compreender: a profissão militar é voltada ao cumprimento da missão, de forma que isso torna difícil a negociação sindical que, normalmente tem, entre suas ferramentas, tratativas sobre a continuidade da prestação dos serviços – o que é indiscutível sobre os militares.
5. Mesmo após a aposentadoria, os militares continuam contribuindo para o sistema de previdência? Como isso funciona?
Não há aposentadoria, eu repito. Após a transferência para a reserva, o militar continua com várias obrigações, como estar disponível para convocações, sujeitar-se a regras disciplinares e penais militares, entre outras. Uma dessas obrigações é de continuar recolhendo para o sistema de proteção social dos militares, com descontos em seus vencimentos que não mudam, em relação ao pessoal da ativa. Não há benefício ou proventos de aposentadoria. A remuneração do militar da reserva é como do militar da ativa, com os descontos para o sistema de proteção social e todos os demais que são feitos ao pessoal da ativa. São feitos descontos de todos, por exemplo, para as pensões das viúvas dos militares que tombaram durante o cumprimento do dever.
6. Existem aspectos legais específicos que protegem os direitos previdenciários dos militares?
Não há direitos previdenciários de previdência que não existe. O que há é regulamentação do sistema de proteção social que, em regra geral, está desenhado pela lei federal 13.954/2019. Essa lei vale para os militares federais e estaduais, e atribuiu, além de regras específicas, a transição entre o sistema anteior e o atual, desenhada após a reforma da previdência de 2019. Na Emenda Constitucional que reformou a previdência no Brasil, foi estabelecido que também compete à União legislar sobre regras gerais de inatividade e pensão dos militares estaduais, estabelecendo, portanto, simetria entre todos os militares brasileiros.
7. Como a legislação estadual de Goiás se alinha ou difere da legislação federal sobre previdência militar?
Não há previdência militar no Brasil. Mas, em Goiás, a legislação estadual trouxe regras específicas sobre o sistema de proteção. Isso é absolutamente, normal. A União legislou regras gerais e, a partir daí, os estados precisam especificar cada caso. Há estados que, por exemplo, optaram pela permanência da gestão da remuneração dos inativos nas corporações, enquanto, em Goiás, isso foi atribuído a uma autarquia.
8. Qual mensagem final o senhor gostaria de deixar para o público sobre a importância de compreender o regime se proteção social dos militares estaduais?
Não se compreende aspectos da vida laboral de um trabalhador sem olhar o trabalho ao qual ele está submetido. Não se pode olhar para o salário de um trabalhador e analisá-lo sem considerar o trabalho que ele faz, isso seria analisar sua profissão apenas pelo dia do pagamento. Dessa forma, não se pode analisar os aspectos remuneratórios dos militares da reserva sem compreender os sacrifícios que fazem durante seus 35 anos de serviço ativo.